quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A LUZ DO VIVER

A LUZ DO VIVER


Conhecer não significa necessariamente se envolver... Nosso dia a dia na Enfermagem requer os cincos sentidos muito bem aguçados. Na chegada a ala de clínica médica logo na entrada me depara com um mal cheiro bem característico de infecção, a equipe apenas passa fazendo cara feia. O clima não tão amistoso, mas o sol nasce todos os dias e que sou eu para continuar na escuridão. Dia seguinte observo em um dos leitos das enfermarias a falta de uma pessoa a Senhora “I” (por questões éticas não posso revelar o nome verdadeiro) e chegando ao posto de enfermagem atrevo-me em inquirir na busca de uma resposta de transferência. No entanto sou surpreendido com a notícia do falecimento às cinco horas da manha daquela Senhora “I”...


O que é a Vida? Apenas nascer, viver, chorar, sorrir, sofrer, triunfo e morrer? Respostas que nunca iremos lograr satisfatoriamente então melhor não avultar o assunto. Há dez dias mais ou menos conheci esta paciente em visita as enfermarias juntamente com minha equipe e consegui observar a “Esperança” da filha que sua genitora fosse sorteada com a recuperação total, apego ou ilusão? Não cabe a minha pessoa furtar tal esperança. Perguntei se eles eram aqui de Recife/PE, a filha da Senhora “I” disse que não, “somos de Arcoverde/PE”, (uma homenagem ao Cardeal Arcoverde natural do município). Cidade encantadora com grandes performances artistas e foi lá que passei um dos memoráveis São João (festa junina) há tempos inesquecíveis. Surpresa que não parou por aí, ao ler o prontuário notei que ainda só existia apenas o primeiro nome, sem sobrenome. Como pode? Ninguém tem apenas o primeiro nome sem sobrenome? Querendo respostas esperei por outra oportunidade junto à família para elucidar as ideias e foi o que aconteceu.  Questionamento de saúde vai, questionamento de saúde vem aproveito e pergunto curioso como todo bom escritor é o porquê da Senhora “I” não tivera no seu registro de nascimento o sobrenome e a filha prontamente (como todo nordestino assim é) respondeu na ponta de língua: “Meu avô o pai dela não quis registrar com sobrenome, apenas “I”... Como pode uma pessoa de uma cidade tão maravilhosa como Arcoverde não ter um sobrenome, vai mudar isso? A filha questionou: Como? Eu prontamente, Agora e já... Ela irá se chamar “I” Arcoverde uma homenagem a sua cidade natal. Notei um brilho especial na filha e assim saí feliz da visita sabendo que naquele momento assim como faço com os minhas personagens na dramaturgia que tem nome e sobrenome aquela senhora acamada convalescendo de uma enfermidade não partiria desse mundo carnal sem sobrenome também, sorriso solto.


Infelizmente, dias depois como falei acima ela veio a óbito deixando esse plano de provação e expiação. Siga em paz minha irmã terrena que pouco conheci, mas tive uma estima muito grande, porque a Luz do Viver é sempre a cada manhã em corações puros e sinceros no âmago do Divino Pai Eterno.

Fernando Matos
Poeta e Enfermeiro Pernambucano
http://contosdaenfermagem.blogspot.com.br/



segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A Inocência da Dor



A Enfermagem necessita de um bom vernáculo para não interferir tratamento como um todo. Quem é da área de saúde e principalmente de enfermagem sabe como é complicado lidar com certas situações com seus clientes/pacientes. Assim é a dor: dor aguda, dor crônica, dores cutâneas, dor somática, dor visceral, dor neuropática, entre outras, mas o olha do cuidar precisa estar para a Dor Espiritual também.


Assim foi em um dos plantões dessa vida cuidando de vidas. Como de costume chegando ao posto de enfermagem sou solicitado a verificar e realizar curativo em uma paciente ainda não conhecida. Preparo-me junto com a equipe e com o material nos dirigimos à enfermaria solicitada. Ao chegar conheço uma senhorinha franzida, com olhar singelo e alma pura. Apresento-me como enfermeiro do cuidar e também a equipe, verbalizo todos os procedimentos que iremos fazer e ela entende, autorizando com um olhar simples como sua vida. Ao retirar o curativo do dia anterior não me deparo com uma ferida, mas com uma necrose gangrenosa nos dois MMII (membros inferiores) e também nas falanges dos dedos do MSD (membro superior direito). Respiro e olho para a equipe que entende meu olhar, ainda me arrisco a verificar a sensibilidade dos membros expostos e nada... Pergunto se ela tomou todas as informações com o M.A. (médico (a) assistente) já sabendo que a resposta era negativa. Ali se encontrava mais um caso de extirpação dos membros e por conduta ética nada poderia dizer àquela senhora de sorriso simples e contagiante os próximos episódios de sua vida terrena. Cubro os MMII e o MSD com algodão e faixa crepe, despeço-me juntando as duas mãos e dizendo-lhe: Que a Luz esteja com a senhora. Recolhemos o material usado e ao sair da enfermaria em local reservado concluo aquele procedimento dizendo: As vezes o melhor não ter conhecimento de nada para a dor espiritual não prejudicar a purificação da carne.



Fernando Matos
Poeta/Enfermeiro Pernambucano